A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, está em Lisboa desde ontem. Hoje, participou na apresentação dos Planos de Recuperação e Resiliência europeu e português junto ao primeiro-ministro António Costa na Fundação Champalimaud.

Faz fé o texto proferido

«Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro António Costa,

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Permitam-me que comece por agradecer ao António e à cidade de Lisboa pela vossa famosa hospitalidade portuguesa. Estou muito contente por estar aqui numa das minhas primeiras viagens desde o início da pandemia. Este é o sítio certo para falar sobre o futuro.

Digo isso porque estou convencida de que o passado e o presente de Lisboa e de Portugal podem ser o guia para o nosso futuro. Durante séculos, os Portugueses influenciaram a Europa de muitas formas – intelectual, cultural e politicamente. Penso nas paisagens encantadoras de Sintra e da sua serra que inspiraram alguns dos espíritos mais brilhantes e artistas mundiais, de Lord Byron a Richard Strauss.

Penso também na dinâmica do Portugal de hoje — cheio de heróis desportivos, jovens talentos da tecnologia, energias limpas e uma mistura perfeita de tradição e modernidade.

Ou no papel de liderança que Portugal desempenha na Europa e no mundo – ao comando das maiores instituições europeias e mundiais. E penso também na forma como o povo português respondeu com humildade, responsabilidade e solidariedade quando a pandemia atingiu a Europa. Poderia referir, por exemplo, a plataforma em linha — chamada «Acolhe um herói» — que permitiu às pessoas emprestarem aos profissionais de saúde do Porto e de Lisboa um quarto ou um apartamento vazio para que pudessem descansar e manter as suas famílias em segurança. Ou poderia mencionar a decisão histórica do Governo de conceder direitos temporários de cidadania aos migrantes e aos requerentes de asilo para que pudessem ter acesso à segurança social ou aos cuidados de saúde.

Desde histórias pessoais de sacrifício até aos milhões de pessoas que descarregaram aplicações de rastreio de contactos, — Portugal demonstrou o melhor de si próprio e o melhor da Europa. A pandemia ainda não acabou – e ainda há muito trabalho para todos nós.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Lisboa, a cidade onde nos encontramos, é um exemplo vivo de renovação e recuperação. O terramoto devastador que ocorreu aqui mesmo há 265 anos foi uma tragédia humana.

Foi uma catástrofe e chegou num momento de grandes mudanças e de progresso para a Europa. As tradições e as instituições estavam a ser postas em causa, a liberdade intelectual estava a florescer e as rivalidades entre as nações a aumentar.

O paralelismo com a catástrofe que estamos a viver pode não ser perfeito, mas a História gosta de fazer rimas. Digo isto porque, mesmo antes da pandemia, a Europa já estava a atravessar um período de profunda e rápida mudança – da digitalização à descarbonização, à fragmentação mundial. E a necessidade de, hoje, voltarmos a ter os pés bem assentes na terra e conceber uma forma melhor de fazer as coisas é tão importante como no século XVIII. Podemos aprender com Lisboa a forma de reconstruir melhor. Como remodelar as nossas sociedades para tirar partido da mudança e do progresso.

Podem ver isto com os vossos próprios olhos quando admiram a Praça do Comércio — um monumento vivo de renovação. É evidente que os tempos são diferentes e temos de fazer as coisas de outro modo no mundo de hoje. E, neste sentido, congratulo-me com a preparação e a cooperação sobre o Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal que será apresentado à Comissão Europeia nas próximas semanas. Se bem compreendo, as prioridades e ambições refletem as do NextGenerationEU, o Plano de Recuperação da UE para as reformas e o investimento.

E quero agradecer ao primeiro-ministro António Costa o seu apoio ao atuar como mediador neste acordo histórico alcançado em julho passado. O NextGenerationEU permite à Comissão mobilizar 750 mil milhões de euros hoje para investir num futuro mais forte amanhã. É uma necessidade urgente e excecional para uma situação urgente e excecional. Precisamos de reparar o nosso tecido social – e, neste aspeto, aguardo com grande expectativa a Cimeira Social do próximo ano organizada pela Presidência portuguesa.

Precisamos de proteger o nosso mercado único que traz tantos benefícios para este país e para todos os outros Estados-Membros. E, enquanto o fazemos, temos de avançar rapidamente para um futuro justo, ecológico, digital e resiliente. Sei que estas vão ser prioridades do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal — e são certamente prioridades para o NextGenerationEU.

E, mais uma vez, Portugal não só está bem posicionado para tirar o máximo partido do NextGenerationEU mas pode ser um modelo para outros.

Por exemplo, o NextGenerationEU vai dar especial ênfase às reformas. E Portugal tem uma grande experiência neste campo, desde as reformas muito difíceis do passado, até às reformas mais recentes, em domínios que vão da aprendizagem ao longo da vida, ao setor da saúde, ao combate à segmentação do mercado de trabalho, para dar à juventude perspetivas de futuro. Obviamente, há mais por fazer e a Comissão está pronta a apoiar esses esforços de todas as formas possíveis – desde os fundos estruturais até ao plano de recuperação.

A segunda parte do NextGenerationEU é o investimento na economia e na sociedade de amanhã. E, aqui, Portugal também já leva vantagem — especialmente quando falamos da dupla transição ecológica e digital. De facto, Portugal já é líder digital em muitas áreas e está a recuperar rapidamente noutras. Todos os anos, Lisboa acolhe 80 000 dos mais reputados profissionais da tecnologia do mundo na Web Summit. Como todos os acontecimentos importantes, a Web Summit deste ano será virtual, mas Lisboa continua a ser a capital espiritual do setor tecnológico. O facto de tantos nómadas digitais virem para aqui trabalhar nas start-ups e nas empresas do setor tecnológico não só reflete a Internet de alta qualidade em Lisboa, mas deve-se também aos talentos aqui captados de todo o mundo — e à qualidade da formação nas universidades especializadas em Braga, no Porto ou aqui em Lisboa.

Isto é um bom prenúncio para a década digital que aí vem, para Portugal e para a Europa. Mas, para aproveitar tudo isto, temos de investir agora, por exemplo, nas competências, nas PME, nas PME da área digital, nos dados – não são usados 80 % dos dados industriais que recolhemos diariamente-, na inteligência artificial, na infraestrutura 5G. E temos de garantir que a Internet de alta velocidade que há em Lisboa também está disponível nas zonas rurais, como Marvão ou Monsaraz. Este é um exemplo de como o NextGenerationEU pode ajudar a construir um mundo melhor para vivermos. E em nenhum aspeto isto é mais importante para Portugal, a Europa e o mundo do que quando se trata do nosso ambiente.

Portugal está na linha da frente na luta contra as alterações climáticas. Este país está — infelizmente — habituado aos incêndios florestais. Tem-no estado há muitos anos. Mas a diferença é agora a sua frequência e intensidade. Isto é apenas o princípio das alterações climáticas.

É urgente atuar — e a pandemia só tornou essa ação ainda mais urgente. Mas há também uma oportunidade associada, para Portugal e para todos aqueles que investem precocemente na atual transição ecológica.

Se formos bem-sucedidos, o resto do mundo virá atrás. E Portugal e a UE estarão na linha da frente, serão exportadores destas tecnologias.

É disso que trata o Pacto Ecológico Europeu.

Crescimento que devolve ao planeta aquilo que lhe retirou.

É a nossa matriz para a transformação de que a nossa economia e a nossa sociedade precisam

  • Para bem do planeta
  • Para bem das pessoas
  • E para bem da nossa prosperidade a longo prazo.

A ambição fundamental é que a Europa seja um continente com impacto neutro no clima até 2050. É um objetivo ambicioso a longo prazo que requer – agora – medidas a curto prazo. É por esta razão que, no início deste mês, a Comissão anunciou um novo objetivo para a redução das emissões de, pelo menos, 55 % até 2030. Isto vai ajudar a dar a segurança e as orientações de que precisam investidores e empresários — aqui em Portugal e por toda a Europa. Com o NextGenerationEU, dispomos agora dos investimentos necessários para apoiar esta ambição.

Temos o plano, temos o roteiro, temos os investimentos.

Desde os investimentos em ligações ferroviárias de alta velocidade até à renovação dos edifícios, ou a mobilidade limpa, o hidrogénio, e muitas outras áreas. O NextGenerationEU vai investir nos projetos com maior impacto para cada país.

Portugal é já um pioneiro na transição para uma energia mais limpa. O vosso país começou a sua transição limpa em 2005 e mais de metade das necessidades de eletricidade em Portugal são agora satisfeitas com energias renováveis.

Isto foi possível graças a um forte apoio do Governo e do setor privado à energia eólica, das marés, solar e outras fontes renováveis de energia. O NextGenerationEU é uma oportunidade para reforçar essa liderança — e investir na investigação e na inovação que fazem a fama deste país. A minha mensagem é: usem-no, usem-no.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É isto o NextGenerationEU. Dá-nos a oportunidade não só para a reparação dos danos e a recuperação da crise, mas também para moldar um melhor modo de vida para todos nós. Portugal será um forte beneficiário do NextGenerationEU. Vai ajudar a dinamizar a economia. Uma economia que tinha recuperado tão bem da última crise – e eu reconheço-o. Graças ao trabalho árduo e ao sacrifício do povo português.

Estes progressos não podem ficar comprometidos. E vai criar postos de trabalho ao ancorar a recuperação na economia ecológica e digital do futuro. Ao fazê-lo, garantiremos que ninguém fica para trás.

Esta deve ser uma recuperação justa, social e que coloca as pessoas em primeiro lugar. E é por isso que, quando as pessoas começaram a perder os seus empregos, criámos o primeiro regime europeu de redução do tempo de trabalho, chamado SURE. A ideia é simples. Se não houver encomendas e as empresas ficarem sem trabalho, não precisam de despedir os seus trabalhadores.

Graças ao instrumento SURE, podem continuar a empregá-los, a fim de conservar as competências, a experiência e os conhecimentos na empresa. E, sobretudo, manter as pessoas no mercado de trabalho. Deste modo, assim que a economia recuperar, as empresas estarão em condições de dar resposta.

O SURE é um escudo para os trabalhadores, os postos de trabalho e as empresas. Isto é a verdadeira solidariedade europeia em ação.

E estou muito satisfeita por Portugal ser um dos países que receberão apoio do SURE. E reflete a necessidade de reforçar a dimensão social da Europa e proteger a dignidade do trabalho.

É por isso que iremos brevemente apresentar um plano de ação para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. E conto com a Presidência portuguesa, sabendo que esta será uma das vossas principais prioridades.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O tempo que vivemos é difícil para todos. E isso não é diferente aqui em Portugal. O povo deste país demonstrou uma tremenda responsabilidade e resiliência na forma como se uniu para combater este vírus. Mas, como em toda a parte, os portugueses estão cansados desta luta e querem avançar. Portugal é um país de grandes exploradores – de pioneiros que nunca temeram aventurar-se no desconhecido.

Um país que sempre navegou por águas inexploradas — «por mares nunca dantes navegados» — para citar o grande Luís de Camões. Por isso, não posso pensar num país melhor para nos guiar através da tormenta e zarpar rumo ao futuro. E aguardo com expectativa fazer isso mesmo consigo, António, e com a Presidência portuguesa no próximo ano.

Muito obrigada. Viva a Europa.»